Ao longo dos anos, os planos contratados pelo Bradesco Saúde – especialmente os planos antigos, celebrados antes de 1999 – passaram a ter reajustes de faixa etária que foram declarados ilícitos pela jurisprudência majoritária.
Inicialmente, quando da criação de planos e seguros saúde (a maioria iniciada nos anos 1980), foram criados os planos individuais e familiares. Nessa modalidade, o indivíduo ou a família aderiam livremente ao seguro/plano, sem a necessidade de intervenção de empresa estipulante ou administradora de benefícios. Por longos anos a maioria das adesões aos planos de saúde ocorreram assim.
Contudo, os contratos de planos e seguros saúde passaram a ganhar maior escalabilidade nos anos 1990 – inclusive em âmbito nacional. Com o crescimento de referidas contratações, que passaram a ser prioridade para a maioria das famílias, surgiu a necessidade de criação de um órgão (ou agência) que regulasse o setor. Com a Lei n. 9.656/98 (a principal lei que regulamenta o setor da saúde suplementar no Brasil) surgiu a Agência Nacional de Saúde (ANS) e a Lei n. 9.961, de 28 de janeiro de 2000 a instituiu como órgão regulador.
Portanto, nos anos 2000, as operadoras passaram a ser regidas pela ANS – inclusive no que tange ao reajuste anual, determinado pela Agência para planos individuais e familiares. Portanto, a partir de então, os reajustes anuais passaram a ser limitados pela atuação da agência. Em 2024, a ANS autorizou o percentual de 6,91% para planos individuais e familiares novos (celebrados após 1999).
Para os planos antigos, a ANS celebra Termos de Compromisso que determinam o percentual de referidos reajustes anuais. Como regra, referido percentual acaba sendo muito próximo do autorizado para os planos “novos”.
Em suma: planos do Bradesco Saúde contratados na modalidade individual/familiar, desde os anos 2000, têm o reajuste anual determinado pela ANS. Aqui, no reajuste anual, não residem maiores discussões – sendo certo, pela jurisprudência, que a maioria dos contratos deverão ser reajustados anualmente para manutenção do equilíbrio econômico e financeiro do contrato.
O mesmo não se pode falar dos reajustes de faixa etária. Para os contratos denominados “antigos” – anteriores a 1999 – temos que devem ser regidos pelo texto constante nas próprias condições gerais contratadas na adesão. Referida modalidade de plano possui frequentes abusividades no que tange, especialmente (mas não só) ao reajuste de faixa etária. É situação muito comum (e a experiência demonstra que é ainda mais comum em planos anteriores a 1997) que os reajustes de faixa etária não possuam previsão contratual.
Em sede de recurso repetitivo o Egrégio Superior Tribunal de Justiça pacificou o tema (tema 952 do STJ) acerca da abusividade dos reajustes de planos e seguros de saúde, estabelecendo critérios para a verificação da existência de tal abusividade[1].
Os parâmetros fixados para a análise da abusividade dos reajustes praticados em contratos antigos, não adaptados são:
a) Existência de previsão contratual para o reajuste;
b) Observância das normas expedidas pelos órgãos reguladores, quanto à validade formal da cláusula de reajuste;
c) Aplicabilidade das normas da legislação consumerista para se aferir a abusividade; e
d) Pertinência entre a base atuarial (aumento da sinistralidade) e o reajuste aplicado, de modo que não sejam aplicados percentuais desarrazoados, que onerem excessivamente o idoso e inviabilizem sua permanência no plano.
Ocorre que a enorme maioria dos contratos antigos feitas pelo Bradesco Saúde não possuem a previsão dos percentuais que serão aplicados nos reajustes de faixa etária – violando, além do julgado em Recurso Repetitivo pelo STJ, também o próprio teor do CDC[2].
O segurado que possua plano de saúde Bradesco Saúde “antigo” deve, se possível, buscar manter a contratação – tendo em vista a cobertura de referida operadora ser superior ao geralmente ofertado no mercado. Mais: por se tratar de plano individual/familiar, os reajustes anuais são aplicados em baixos percentuais, o que se constata como uma excelente garantia para o segurado.
Contudo, pela alta probabilidade de abusividade no reajuste de faixa etária, os segurados deste tipo de contrato podem buscar, no Judiciário, após a devida análise pelo advogado especialista, afastar referidos reajustes de faixa etária aplicados indevidamente – baixando o valor da mensalidade e recebendo de volta o que foi pago a maior (sem risco de retaliação pela operadora).
[1] RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. CIVIL. PLANO DE SAÚDE. MODALIDADE INDIVIDUAL OU FAMILIAR. CLÁUSULA DE REAJUSTE DE MENSALIDADE POR MUDANÇA DE FAIXA ETÁRIA. LEGALIDADE. ÚLTIMO GRUPO DE RISCO. PERCENTUAL DE REAJUSTE. DEFINIÇÃO DE PARÂMETROS. ABUSIVIDADE. NÃO CARACTERIZAÇÃO. EQUILÍBRIO FINANCEIRO-ATUARIAL DO CONTRATO.
- A variação das contraprestações pecuniárias dos planos privados de assistência à saúde em razão da idade do usuário deverá estar prevista no contrato, de forma clara, bem como todos os grupos etários e os percentuais de reajuste correspondentes, sob pena de não ser aplicada (arts. 15, caput, e 16, IV, da Lei nº 9.656/1998).
- A cláusula de aumento de mensalidade de plano de saúde conforme a mudança de faixa etária do beneficiário encontra fundamento no mutualismo (regime de repartição simples) e na solidariedade intergeracional, além de ser regra atuarial e asseguradora de riscos.
- Os gastos de tratamento médico-hospitalar de pessoas idosas são geralmente mais altos do que os de pessoas mais jovens, isto é, o risco assistencial varia consideravelmente em função da idade. Com vistas a obter maior equilíbrio financeiro ao plano de saúde, foram estabelecidos preços fracionados em grupos etários a fim de que tanto os jovens quanto os de idade mais avançada paguem um valor compatível com os seus perfis de utilização dos serviços de atenção à saúde.
- Para que as contraprestações financeiras dos idosos não ficassem extremamente dispendiosas, o ordenamento jurídico pátrio acolheu o princípio da solidariedade intergeracional, a forçar que os de mais tenra idade suportassem parte dos custos gerados pelos mais velhos, originando, assim, subsídios cruzados (mecanismo do ommunity rating modificado).
- As mensalidades dos mais jovens, apesar de proporcionalmente mais caras, não podem ser majoradas demasiadamente, sob pena de o negócio perder a atratividade para eles, o que colocaria em colapso todo o sistema de saúde suplementar em virtude do fenômeno da seleção adversa (ou antisseleção).
- A norma do art. 15, § 3º, da Lei nº 10.741/2003, que veda “a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade”, apenas inibe o reajuste que consubstanciar discriminação desproporcional ao idoso, ou seja, aquele sem pertinência alguma com o incremento do risco assistencial acobertado pelo contrato.
- Para evitar abusividades (Súmula nº 469/STJ) nos reajustes das contraprestações pecuniárias dos planos de saúde, alguns parâmetros devem ser observados, tais como (i) a expressa previsão contratual; (ii) não serem aplicados índices de reajuste desarrazoados ou aleatórios, que onerem em demasia o consumidor, em manifesto confronto com a equidade e as cláusulas gerais da boa-fé objetiva e da especial proteção ao idoso, dado que aumentos excessivamente elevados, sobretudo para esta última categoria, poderão, de forma discriminatória, impossibilitar a sua permanência no plano; e (iii) respeito às normas expedidas pelos órgãos governamentais: a) No tocante aos contratos antigos e não adaptados, isto é, aos seguros e planos de saúde firmados antes da entrada em vigor da Lei nº 9.656/1998, deve-se seguir o que consta no contrato, respeitadas, quanto à abusividade dos percentuais de aumento, as normas da legislação consumerista e, quanto à validade formal da cláusula, as diretrizes da Súmula Normativa nº 3/2001 da ANS. B) Em se tratando de contrato (novo) firmado ou adaptado entre 2/1/1999 e 31/12/2003, deverão ser cumpridas as regras constantes na Resolução CONSU nº 6/1998, a qual determina a observância de 7 (sete) faixas etárias e do limite de variação entre a primeira e a última (o reajuste dos maiores de 70 anos não poderá ser superior a 6 (seis) vezes o previsto para os usuários entre 0 e 17 anos), não podendo também a variação de valor na contraprestação atingir o usuário idoso vinculado ao plano ou seguro saúde há mais de 10 (dez) anos. C) Para os contratos (novos) firmados a partir de 1º/1/2004, incidem as regras da RN nº 63/2003 da ANS, que prescreve a observância (i) de 10 (dez) faixas etárias, a última aos 59 anos; (ii) do valor fixado para a última faixa etária não poder ser superior a 6 (seis) vezes o previsto para a primeira; e (iii) da variação acumulada entre a sétima e décima faixas não poder ser superior à variação cumulada entre a primeira e sétima faixas.
- A abusividade dos aumentos das mensalidades de plano de saúde por inserção do usuário em nova faixa de risco, sobretudo de participantes idosos, deverá ser aferida em cada caso concreto. Tal reajuste será adequado e razoável sempre que o percentual de majoração for justificado atuarialmente, a permitir a continuidade contratual tanto de jovens quanto de idosos, bem como a sobrevivência do próprio fundo mútuo e da operadora, que visa comumente o lucro, o qual não pode ser predatório, haja vista a natureza da atividade econômica explorada: serviço público impróprio ou atividade privada regulamentada, complementar, no caso, ao Serviço Único de Saúde (SUS), de responsabilidade do Estado.
- Se for reconhecida a abusividade do aumento praticado pela operadora de plano de saúde em virtude da alteração de faixa etária do usuário, para não haver desequilíbrio contratual, faz-se necessária, nos termos do art. 51, § 2º, do CDC, a apuração de percentual adequado e razoável de majoração da mensalidade em virtude da inserção do consumidor na nova faixa de risco, o que deverá ser feito por meio de cálculos atuariais na fase de cumprimento de sentença.
- TESE para os fins do art. 1.040 do CPC/2015: O reajuste de mensalidade de plano de saúde individual ou familiar fundado na mudança de faixa etária do beneficiário é válido desde que (i) haja previsão contratual, (ii) sejam observadas as normas expedidas pelos órgãos governamentais reguladores e (iii) não sejam aplicados percentuais desarrazoados ou aleatórios que, concretamente e sem base atuarial idônea, onerem excessivamente o consumidor ou discriminem o idoso.
- CASO CONCRETO: Não restou configurada nenhuma política de preços desmedidos ou tentativa de formação, pela operadora, de “cláusula de barreira” com o intuito de afastar a usuária quase idosa da relação contratual ou do plano de saúde por impossibilidade financeira. Longe disso, não ficou patente a onerosidade excessiva ou discriminatória, sendo, portanto, idôneos o percentual de reajuste e o aumento da mensalidade fundados na mudança de faixa etária da autora.
- Recurso especial não provido.
(Resp 1568244/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/12/2016, Dje 19/12/2016)
[2] Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (…) X – permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral; (Original sem grifos)