A recente decisão da Qualicorp de implementar um reajuste de 40% nos planos de saúde coletivos por adesão tem gerado intensos debates sobre a legalidade e a razoabilidade de aumentos dessa magnitude. Este artigo analisa a questão à luz da Resolução Normativa nº 509/2022 da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e da jurisprudência do STJ.
A ANS, por meio da Resolução Normativa nº 509/2022, estabelece diretrizes para a transparência das informações no setor de saúde suplementar. Embora a ANS regule diretamente apenas os reajustes dos planos individuais e familiares, os planos coletivos, como os administrados pela Qualicorp, possuem maior flexibilidade na definição de seus índices de reajuste. No entanto, essa liberdade contratual não é irrestrita e deve observar princípios de razoabilidade e transparência, devendo ter demonstração do extrato pormenorizado para justificar os altos percentuais dos reajustes anuais aplicados.
O STJ têm diversos entendimentos jurisprudenciais dispondo que a operadora de saúde não pode reajustar por sinistralidade sem que haja justificativa e demonstração atuarial. Nesse sentido:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. PLANO DE SAÚDE. MENSALIDADES. REAJUSTE. OMISSÃO. NÃO OCORRÊNCIA. ADEQUAÇÃO DOS REAJUSTES. FUNDAMENTO NÃO ATACADO. SÚMULA Nº 283/STF. SINISTRALIDADE. AUMENTO. ABUSIVIDADE. INVERSÃO DO JULGADO. IMPOS SIBILIDADE. SÚMULAS NºS 5 E 7/STJ.
1. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível à hipótese, apenas não no sentido pretendido pela parte.
2. Não pode ser conhecido o recurso especial que não traz impugnação específica dos fundamentos suficientes do acórdão recorrido, atraindo a incidência, por analogia, da Súmula nº 283/STF.
3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de ser possível o reajuste de contratos de saúde coletivos sempre que a mensalidade do seguro ficar cara ou se tornar inviável para os padrões da empresa contratante, seja por variação de custos ou por aumento de sinistralidade.
4. Na hipótese, rever o entendimento da instância ordinária, que concluiu pela abusividade do reajuste, demanda o reexame de cláusulas do contrato e das provas constantes dos autos, procedimentos obstados pelas Súmulas nºs 5 e 7/STJ.
5. Agravo interno não provido.
(AgInt no AREsp n. 2.236.520/RJ, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 19/6/2023, DJe de 23/6/2023.)
Possibilidade de Intervenção Judicial
Diante de reajustes considerados excessivos, como o anunciado pela Qualicorp, os beneficiários podem buscar a via judicial para contestá-los. A jurisprudência tem reconhecido a possibilidade de revisão judicial de aumentos abusivos em planos coletivos, especialmente quando não há comprovação suficiente da necessidade do reajuste ou quando este coloca o consumidor em desvantagem exagerada. Decisões judiciais têm, em alguns casos, substituído os índices aplicados por aqueles estabelecidos pela ANS para planos individuais, visando restabelecer o equilíbrio contratual.
Conclusão
Embora os planos de saúde coletivos possuam certa liberdade na definição de seus reajustes, essa autonomia deve ser exercida com transparência e fundamentação técnica adequada. Reajustes elevados, como o de 40% anunciado pela Qualicorp, podem ser considerados abusivos se não forem devidamente justificados, abrindo espaço para intervenção judicial a fim de proteger os direitos dos consumidores e assegurar o equilíbrio nas relações contratuais. Assim, o segurado pode ter direito de afastar o reajuste indevido, reduzindo o valor da mensalidade e receber de volta o que foi pago a maior.